quinta-feira, 5 de abril de 2012

Corrupção e ética no Brasil em tempos de grandes eventos

Corrupção e ética no Brasil em tempos de grandes eventos


Um texto que serve de reflexão sobre a corrupção estratosférica que se alardeia pelos diversos rincões da sociedade não escolhendo classes, gêneros, sexo, etnias. Texto da melhor qualidade, principalmente o momento em que vive o Brasil, próximo a realizar 2 grandes eventos de envergadura mundial, em que a visibilidade torna-se preponderante. O bom e o ruim de nossa nação floresce e ter a responsabilidade e o compromisso de fazer o melhor, sem a cobiça de lucros ilícitos por realizar atos contrário a moralidade pública. Uma boa leitura.

Introdução
O presente trabalho objetiva analisar o problema da corrupção no Brasil e, por conseqüência, responder as seguintes questões:
* a corrupção está aumentando ou diminuindo?
* com as políticas e ações atualmente implantadas pelo Estado brasileiro, há possibilidade de avançar no combate à corrupção?
Para tanto, parece-nos de bom alvitre liminarmente definir o que seja corrupção.
Corrupção



De acordo com o Michaelis - Moderno Dicionário da Língua Portuguesa, o termo corrupção(derivado do latim corruptione) tem os seguintes significados:
1: Ação ou efeito de corromper; decomposição, putrefação.
2:Depravação, desmoralização, devassidão.
3:Sedução.
4: Suborno.
Observe-se que em nenhuma de suas acepções o termo tem um sentido benéfico ou protetivo, facilitador ou simplificador: a significação é sempre prejudicial, agressiva ou abandonadora, lesiva, danosa, complicadora.
No que concerne aos efeitos, a corrupção é sempre uma ação ou o efeito desta que presta um desserviço não apenas a uma pessoa, ou a um determinado grupo, mas à toda sociedade, à toda a nação.
No âmbito jurídico, o Código Penal estabelece que a corrupção pode ocorrer sob duas formas:
- corrupção ativa: caracterizada pela conduta de oferecer ou prometer vantagem indevida a funcionário público, para etermina-lo a praticar, omitir ou retardar ato de ofício.
Quem pratica o crime é o corruptor, aquele que oferece ou promete a vantagem indevida.
O crime ocorrerá mesmo que o funcionário público não aceite a proposta;
- corrupção passiva: quando praticada pelo funcionário público que solicita ou recebe, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, vantagem indevida ou aceita promessa de tal vantagem.
Com o objetivo de obter proveito do cargo público, o funcionário pede ou aceita suborno ou proposta de obter ganhos para praticar atos que são de sua responsabilidade.
Contudo, em sentido amplo, corrupção pode ser definida como “o fenômeno pelo qual um agente é levado a agir de modo diferente dos padrões estabelecidos, de forma a favorecer interesses ilegais ou ilegítimos”. Assim sendo, não apenas é praticada por funcionário público, “mas também pode ter origem no particular”. Dependendo do caso, a corrupção é praticada, exclusivamente, por um ou por outro. Exemplos dessas hipóteses:
- o indivíduo oferece propina ou outra vantagem, mas o funcionário não a aceita;
- ou, o funcionário público solicita a propina, mas o particular se recusa a fornecer-lhe.
Em geral, os dois atores – corruptoecorruptor – atuam configurando a corrupção e, ambos, se valem do Estado, de forma indevida, para obter vantagem ilícita.
Entretanto, definir todas as situações que podem ser classificadas como corrupção não é tarefa fácil.
“Pagamento de suborno no âmbito do país ou em transações comerciais internacionais, tráfico de influência, abuso de funções, enriquecimento ilícito, suborno no setor privado, lavagem de dinheiro e obstrução da justiça” - são atos que, em regra, são definidos como crimes de corrupção em diversos países.
Mas, para evitar que alguma conduta seja excluída, os textos da Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção e daConvenção Interamericana Contra a Corrupção, houveram por bem não definir, mas trazer a relação exemplificativa dos atos que devem ser considerados corrupção.
Destarte, aqueles dois tratados assim distinguem os tipos de corrupção:
- pequena corrupção: é a que ocorre na execução das atividades cotidianas dos funcionários, quando estes têm contato direto com o público. Ex.: um policial que aceita uma soma de dinheiro para não multar um cidadão que estava em alta velocidade. Nesse tipo de corrupção, o volume de recursos envolvidos é relativamente pequeno, e os seus efeitos atingem, principalmente, os mais pobres;
- grande corrupção: embora esteja vinculada mais ao nível em que ocorre do que à quantidade de dinheiro envolvida, esse tipo de corrupção compromete, sim, recursos maiores do que a chamada pequena corrupção. As transações são consideradas grandes mais em sua escala e, em geral, ocorrem quando agentes públicos de alto escalão têm poder para decidir sobre a alocação de recursos públicos, beneficiando-se dessa situação. A expressão grande corrupção é comumente utilizada como sinônima de corrupção política;
- corrupção sistêmica: é aplicada em relação a instituições que transformaram a corrupção em parte integrante de seus negócios. Destarte, diz-se que há corrupção sistêmica quando os procedimentos de uma instituição não mais são operacionalizados de acordo com as regras formais. Com redes de corrupção bem estruturadas, é difícil identificar a relação entre as ações dos agentes públicos e as recompensas recebidas, o que dificulta a repressão. Por conseguinte, torna-se premente a adoção de políticas de prevenção da corrupção.
Os impactos da corrupção sistêmica são de difícil mensuração, não só por envolver a confiança dos cidadãos nas instituições públicas, mas também por impactar, “negativamente, a noção de Estado como instituição responsável pelo desenho e pela implementação de políticas públicas para atender aos interesses dos cidadãos”.
Já tendo se tornado sistêmica, é preciso revisitar o problema para identificar se suas causas são culturais, éticasouinstitucionais.
Por cultura política entende-se as práticas e instituições políticas, suas normas e tradições. Deste modo, compõem a cultura política de cada unidade social (comunidade, Estado, município, bairro, grupo social):
- os costumes disseminados entre os habitantes do país;
- o conhecimento dos cidadãos sobre as instituições e práticas políticas;
- as tendências do comportamento social (como a desconfiança, o “jeitinho” etc.);
- as normas – “como o dever de os cidadãos participarem das decisões políticas ou o dever de os agentes públicos respeitarem as regras da Administração Pública.”
Embora tenha importância, não se pode apontar a cultura política com o único fator determinante de corrupção em um país.
Entende-se por problema cultural a falta de confiança que os cidadãos tenham na efetividade do Estado em dar solução aos seus problemas. Descrentes que o Estado venha a ter um desempenho satisfatório, os cidadãos recorrem ao suborno ou a outras atividades que envolvam qualquer uma das faces da corrupção.
Ainda que não se possa direcionar a relação causal, as evidências disponíveis indicam que a confiança e os níveis baixos de corrupção se relacionam. Ou seja, em países onde há confiança política, novas instituições – inclusive as criadas para um maior controle da corrupção – existirão de fato e produzirão o efeito desejado.
Desta forma, ao estudar a relação entre corrupção e desconfiança política, a conclusão é que tanto os índices de corrupção influenciam os níveis de desconfiança política, como esta influencia nos níveis de corrupção. Assim sendo, tanto o servidor público – ao se deixar corromper -, aumenta a desconfiança nos cidadãos nas instituições públicas, como o cidadão, ao corromper um funcionário público, age no sentido de perpetuar a corrupção.
Corrupção e ilegalidade: Como ressalta Felipe Guatimosim Maciel, em sua Monografia - O Combate à Corrupção no Brasil: Desafios e Perspectivas – embora seja grande o número de definições para corrupção, todas apresentam um ponto em comum: a ilegalidade.
A ilegalidade da corrupção está em o agente público, investido de poder legal para o desempenho de suas funções, oferecer tratamento preferencial tendo como contrapartida o suborno. Ou executar um serviço que, pelas normas, estaria proibido de oferecer. Conforme entendimento da Transparência Internacional (órgão não-governamental, que objetiva provocar mudanças para que o mundo esteja livre de corrupção), na primeira hipótese, temos a corrupção de acordo com as regras e, na segunda, a corrupção contra as regras.
De acordo com o Dicionário Michaelis, considera-se suborno: delito de funcionário, que, no exercício de suas funções ou em razão delas, recebe recompensa ou vantagens para omitir-se na prática de seus deveres funcionais, com prejuízo de terceiros
Como estamos a analisar o caso específico do Brasil, cumpre acrescentar de forma destacada a impunidade, porquanto é com a certeza desta, que o funcionário público aceita transacionar ou trocar com o corruptor. A conseqüência inescapável dessa forma insidiosa de influência, tipicamente ilícita, ilegal e ilegítima, é o desgaste do mais importante recurso do sistema político: a sua legitimidade. Pois, como nos elucida o cientista político, Fernando Filgueiras, autor do livro Corrupção, Democracia e Legitimidade, por ser a corrupção uma forma de ação ilegítima dos atores políticos, torna-se “a própria ilegitimidade, pois não é passível de justificação pública”. Afinal, não há como justificar o desvio das receitas governamentais e do fluxo de renda nacional para que membros do governo obtenham vantagens pessoais, ganhos de riqueza ou de status, quando esse direito não lhes foi conferido por lei.
Filgueiras acredita que se quisermos debater publicamente o problema da corrupção, precisamos discutir a questão da legitimidade “de forma mais abrangente”, porque há uma crise de legitimidade nas democracias contemporâneas. Por conseqüência de tal crise, a discussão deve objetivar a reforma não só do Estado, mas da própria democracia, pois, do contrário, tornar-se-á impossível o avanço no desenvolvimento desse sistema político.
Para Fernando Filgueiras, a corrupção pode assumir quatro formas:
- política, quando a questão central está em distinguir entre o público e o privado, e traz a baila a noção de decoro;
- cultural, quando relaciona-se, por exemplo, à questão da honestidade;
- social, quando envolve o modo de controle do poder do Estado;
- econômica, exclusiva da esfera privada e representada por fraudes contábeis e financeiras.
Para o cientista político, embora muito se tenha avançado em relação aos controles institucionais da corrupção, (como, por exemplo, ao aprimorar-se o trabalho das polícias e dos tribunais de contas), e já seja tema central em vários tratados internacionais, falta às democracias uma noção de valores públicos. Ou seja, além de discutir a corrupção em sua dimensão institucional, Filgueiras crê que a discussão deva ter seguimento também no âmbito de toda a sociedade, pois “o controle da corrupção não pode ser assumido apenas pelo Estado, temos que pensar em termos dos valores públicos.”.
Quanto à transparência, ele a considera uma inovação muito importante, mas que precisa permear também a publicidade. Nesse sentido, Filgueiras defende que a transparência deva ser “compromisso de sociedades inteiras e não apenas do Estado”.
Valores
Falamos em valores públicos, mas o que devemos entender por valor?
Os gregos entendiam por valor tanto a utilidade quanto o preço de alguma coisa; ou, ainda, o bom desempenho ou a produção de algo.
No campo filosófico, o termo foi primeiro empregado pelos estóicos, que defendiam ser a razão “capaz de captar os valores e indicar o caminho seguro para a realização do bem e a conquista da felicidade”. Valor, então, era aquilo que resultava de uma escolha por parte da vontade humana, iluminada pela razão. Como para os estóicos o que importava era buscar os indicadores para uma vida justa, honesta e feliz, valor era, sobretudo - o bem ético -, não o econômico, artístico ou de outra espécie. A vontade, guiada pela luz da razão, levaria a escolher sempre o bem.
Com o decorrer dos séculos, passou-se a entender por valor tudo que se prefere ou deseja – inclusive fora do campo da Ética.
Comumente, costuma-se considerar idênticos os valores éticos e os valores morais, mas há uma sutil diferença entre os dois:
- valores morais: referem-se ao modo como uma sociedade ou um determinado indivíduo entende e coloca em prática a idéia de certo e errado;
- valores éticos: concernem à pessoa humana – considerada em sua dignidade.
A sutileza encontra-se no fato de que, apesar da aprovação individual ou social, o que é considerado moralmente bom pode ser eticamente condenável. Ex.: hábitos já arraigados, como o jeitinho brasileiro, pode até ser moralmente aceito, mas - eticamente – é condenável.
Ao revés, a dignidade, por concernir à essência, independe do que apenas externamente pode ser avaliado (aparência física, condição econômica, status social etc.). Assim, os valores éticos são os que se referem ao respeito à pessoa tanto em sua individualidade quanto em sua dimensão social. Ex.: o empresário que sonega impostos atenta contra a Ética porque, primordialmente, atenta contra o bem comum, ou seja, ao não pôr em prática um valor ético, não realiza o bem das pessoas que vivem na sociedade.
Como a maioria dos estudiosos, pensamos que os valores éticos existem por si mesmos - e cabe a nós descobri-los. Conseqüentemente, como a educação é necessária para o aprendizado, em geral é também imprescindível para a aquisição dos valores éticos.
E, assim com a pessoa humana é um gigante metafísico, de extraordinária complexidade e riqueza, igualmente riquíssimos são os valores éticos. Estes emergem dos diversos modos como o ser humano se posiciona no mundo, como se relaciona consigo mesma e com os outros. Ser ético, por conseguinte, significa respeitar os múltiplos modos de ser e apresentar-se da pessoa – seja individual ou coletivamente considerada.
Alguns valores éticos são indispensáveis e insubstituíveis – justiça, honestidade, amor, prudência, liberdade, responsabilidade, sinceridade, respeito - e a cada um deles corresponde um princípio ético, isto é, um convite à ação.
Ética: A corrupção pode ser considerada um problema de desvio ético?
Mas o que é, afinal, Ética?
Conquanto muitos empreguem os termos – Moral e Ética – de forma indistinta, a Filosofia da Moral claramente os distingue:
- Moral: reunião de costumes ou hábitos de um indivíduo ou de um povo, orientada por um princípio muito genérico de “bem” ou de “correto”;
- Ética: ciência e arte da conduta humana.
Por esse entender, a Moral é comum a todos o homens, mesmo que nem todos sejam capazes de desenvolver a crítica de seu conteúdo. À Ética cabe este mister.
Num confronto entre Moral, Direito e Ética, temos na esfera da Moral, a pressão da sociedade para que se aja de determinada forma; no campo de ação do Direito, as normas são impostas de modo coercitivo, implicando obediência ao que é obrigatório; e no âmbito da Ética - a autonomia, pois o agir não será ditado por pressões de ordem social ou legal – mas tão-somente pela consciência individual. É a obediência ao que não é obrigatório.
Destarte, ético é o homem que não age de modo lesivo a outrem por medo de alguma sanção, mas aquele que não o faz por estar consciente de que ações regidas pela honestidade, pela justiça, pela responsabilidade, sinceridade, respeito resultam não só na satisfação pelo dever cumprido, mas em tornar possível e saudável a convivência humana.
Uma das tarefas mais importantes da Ética enquanto ciência é buscar os fundamentos para que a pessoa viva conforme a idéia do bem. Na busca de respostas, surgiram diversas doutrinas morais, divididas em quatro grandes linhas da Ética:
- Éticas do interesse ou utilitarismo: nessa linha, as teorias defendem que o principal objetivo do agir humano é a obtenção do máximo de vantagem ou utilidade. Subdivide-se em:
-utilitarismo egoístico, pelo qual o bem-estar pessoal é o fim último a ser atingido. Uma verdade única, absoluta não existiria: tudo seria relativo – ao homem, ao momento, a um conjunto de fatores e circunstâncias. Embora condenado pela maioria dos pensadores de todos os tempos, sempre foi uma das mais aceitas e praticadas, particularmente nos tempos atuais;
- utilitarismo altruístico ou social, que defende devam ser tomadas as decisões que afetem positivamente o maior número possível de pessoas, não importando o ônus que venha a sobrevir sobre essa ou aquela pessoa ou instituição. Seu representante mais expressivo, Jeremy Bentham, defendia ser o princípio de utilidade o único motivo pelo qual um ato pode ou deve ser moralmente praticado;
- Éticas do dever: defendem a tese de que se deve sempre agir objetivando – acima de tudo – cumprir o dever moral, mesmo que a um pesado custo. Fundamentam-se no argumento de que, na esfera ética, o valor da pessoa é absoluto. Se a satisfação do dever cumprido compensa qualquer desconforto físico ou perda financeira, é tão-só porque a nossa dignidade é a virtude maior;
- Éticas da situação (ou relativismo): sustentam que se deva agir com o objetivo de - acima de tudo - cumprir o dever moral. Para tanto, as ações devem ser orientadas pelo consenso da maioria ou a situação deva ser avaliada para que a decisão seja por determinada conduta moral. O que foi um bem ontem não o é mais necessariamente hoje. O que é justo hoje, provavelmente, não o será amanhã ou depois.
- Éticas das virtudes: firmam-se no argumento de que o intelecto deve sobrepor-se às paixões, desejos e instintos. As virtudes seriam forjadas pelo exercício constante de autocontrole: ou seja, o homem virtuoso não surge de um único ato ético – mas da disposição permanente para a prática do que é bom e justo.
Independente da opção ética eleita, nossas escolhas repercutem em todas as áreas e nossa existência - em casa, na rua, na empresa etc. Mas, para que possamos classificar os atos humanos no âmbito da ética, urge que sejam preenchidos três requisitos básicos:
- liberdade: os atos humanos devem ser praticados por livre consciência;
- consciência/conhecimento: de certo modo, já presente na condição anterior, determina que o ato humano com conhecimento e consciência sobre as implicações éticas do que se está fazendo;
- norma: deve existir uma norma ética que indique como devemos proceder em uma dada situação.
Estas são condições transcendentais de qualquer ato na esfera ética, já que, com maior ou menor intensidade, antecedem e acompanham a sua prática.
Em nossos tempos, autores pós-modernos já decretaram a “morte do ético”, a substituição do ético pelo estético e celebraram a “emancipação última” que se seguiria. Para esses, quer jornalistas quer acadêmicos, o pós-modernismo traz a emancipação de padrões morais, liberta do dever e desarticula a moral da responsabilidade.
Um dos mais expressivos defensores dessa linha de pensamento é o filósofo francês Gilles Lipovetsky, que em seu livro “O crepúsculo do dever”, sugeriu que entramos finalmente na era do pós-dever (l’après-devoir), uma época pós- deontológica, em que nossa conduta foi liberta dos últimos resquícios opressivos de “deveres inifinitos”, “mandamentos” e “obrigações” absolutos. A idéia do auto-sacríficio foi deslegitimada; as pessoas não mais são estimuladas nem tampouco estão desejosas de se lançar na busca de ideais morais e por em ação valores éticos; os políticos puseram à parte as utopias e aqueles que no passado foram idealistas tornaram-se pragmáticos. É o individualismo livre de escrúpulos, não-adulterado, em que se busca a boa vida, limitado apenas pela exigência de tolerância. Essa era, pós-dever, só admitiria uma moralidade muito “minimalista” e em declínio. Uma situação “totalmente nova”, de acordo com Lipovetsky, e que ele nos aconselhava a celebrar a liberdade que dela certamente adviria.
Crítico dessa forma de pensar, o sociólogo polonês, Zygmunt Bauman, em sua obra Ética Pós-moderna, questiona Lipovetsky por apresentar o que se deve explicar como o que explica. Porquanto, se hoje nos confrontamos com uma vida onde o puro “é” que não se orienta por qualquer “deve”, o papel de um sociólogo é mostrar como sucedeu-se ao desencarregamento da regulamentação moral. Cumpre também não aceitar algo como certo simplesmente porque existe.
Para Bauman, restaria ver se a pós-modernidade passaria “para a história como crepúsculo ou como renascimento da moralidade”.
O próprio Zygmunt Bauman apresenta em seu livro um estudo de persuasão poderosa. Para o sociólogo, “os grandes temas da ética – como direitos humanos, justiça social, equilíbrio entre cooperação pacífica e auto-afirmação pessoal, sincronização da conduta individual e do bem-estar coletivo - não perderam nada de sua atualidade. Apenas precisam ser vistos e tratados de maneira nova”. Ele retrata a sociedade atual como “ ‘moderna’ na medida em que tenta, sem cessar mas em vão, ‘abarcar o inabarcável’, substituir diversidade por uniformidade, e ambivalência por ordem coerente e transparente – e, ao tentar fazê-lo, produz constantemente mais divisões, diversidade e ambivalência do que as de que se conseguiu livrar”.
Nesse ponto, acrescentaríamos que a harmonia não está, necessariamente, na uniformidade. Podemos ser diversos – como realmente somos – e interagirmos de forma socialmente saudável, harmônica. E esta convivência de paz, de reconhecer aos outros o direito de terem opiniões diferentes ou até diametralmente opostas às nossas, de não estímulo às várias formas de preconceito (sejam racismo, questões ligadas ao gênero, diferenças corporais e a intolerância aos portadores de necessidades especiais) se trilharmos “o caminho do meio”, sem que o bem comum oprima os interesses individuais e sem que estes inviabilizem a continuidade de grupos sociais e até da espécie humana.
Fazer o que bem se pensa ou fazer o que se pensa bem?
O individualismo pleno importaria não apenas que nos recussássemos à solidariedade, mas que realmente pudéssemos prescindir do outro. Mas a verdade é que somos seres sociais e a nossa evolução – e o nosso conforto – dependem do outro. Os indivíduos não podem se tornar peças estanques ou que agem de modo apartado uns dos outros. É preciso agir de modo solidário e responsável para o bem-estar dos membros da sociedade. Não podemos escapar do fato de que todos nos interdependemos. Somos seres individualizados por termos qualidades e aptidões diferentes e também por conta das nossas idiossincrasias. Mas a nossa individualização no sentido do desaparecimento de relações sociais, da existência apartada dos vários grupos sociais, nos impediria de desenvolver as nossas qualidades e aptidões e experimentar inúmeras e diversas emoções.
Embora ainda haja chefes de Estado e de Governo a defender, como o fez Margareth Thatcher que “não existe algo que se possa chamar de 'sociedade', existem somente o governo e as famílias”, que homens e mulheres, enquanto indivíduos devem encontrar soluções individuais a problemas criados pela sociedade e, individualmente, implementá-las com ajuda e recursos individuais; que é não só inútil, mas contraproducente, unir forças e subordinar as ações individuais a uma causa comum. Identificou-se erroneamente valores e ideais éticos com a idéia de um Estado assistencial.
A atual crise financeira mundial está forçando a que as nações se unam porque, se individualmente foi criado o problema, que hoje atinge a todo mundo globalizado (a mesma fórmula que estava a gerar lucros estratosféricos privados, hoje gera prejuízos socializados), a solução não parece estar a cargo de uma só nação.
Plano de ação do G20 tem ritmo de implementação incerto

Aumento ou diminuição da corrupção
De acordo com os Índices de Percepção da Corrupção, que anualmente são produzidos e divulgados pela Transparência Internacional (TI - organização não-governamental, cujo principal objetivo é a luta contra a corrupção), o Brasil é visto como um país com sérios problemas de corrupção.
Embora coloquem, anualmente, o tema da corrupção na pauta mundial, esses Índices tem de ser analisados e interpretados com cuidado porque eles não quantificam a corrupção – apenas mensuram a percepção que empresários e analistas têm da corrupção em cada país pesquisado. Os índices, portanto, não medem – objetivamente – a corrupção, mas sim como o conjunto da sociedade percebe – subjetivamente – esse fenômeno em cada país.
A cada ano, mais países são avaliados, sendo-lhes dadas notas, que variam de zero (índice máximo de corrupção) a dez (índice mínimo).
Mas críticas são endereçadas ao ICP:
- não há garantia de que as opiniões colhidas para produzir o índice sejam entre si independentes – sendo mais provável que não o sejam. E, assim sendo, a opinião manifestada não refletiria uma experiência pessoal, mas a opinião ouvida de terceiros;
- há a possibilidade de que as inclinações ideológicas influenciem a “ascensão” ou “queda” das notas. E o Chile é citado como exemplo, pois a partir do momento em que esse país alinhou a sua política comercial com os EUA, passou a ganhar posições no Índice. Se assim for, a forma como as notas são concedidas pode estar contaminada por uma espécie de clientelismo, ao oferecer proteção ou favorecimento por questão ideológica;
- a corrupção passada ou o destaque recebido na mídia por casos isolados podem influenciar a percepção das pessoas pesquisadas;
- critica-se também a fórmula de cálculo pois dificulta que se projetem os índices em séries estatísticas;
- as ascensões e quedas no ranking podem não refletir melhoras ou pioras no mundo real;
- a integridade das instituições não são avaliadas, nem a sua evolução no decurso dos anos. E a própria construção do índice impediria a mobilidade na escala.
Como sustenta Cláudio Weber Abramo, em seu artigo – Percepções pantanosas – por serem os atos de corrupção secretos, e a parcela detectada nada informar sobre “o volume agregado das transações ilícitas”, mensurações diretas são impossíveis. Quanto às indiretas, como o IPC, ainda não contam com um conteúdo informativo confiável.
Mas quem faz uso dessas mensurações indiretas de corrupção? Acredita-se que investidores internacionais, principalmente, por elas se guiariam em seus processos decisórios. Nestes, países vistos como mais corruptos seriam menos atraentes, pois demandariam maiores custos de transação e, em especial, maior incerteza quanto a validade de contratos. Abramo intui que em comparação a fatores como custo de mão-de-obra, carga tributária, disponibilidade de matérias-primas, infra-estrutura de transportes etc., as considerações sobre corrupção tenderiam a ser bastante subsidiárias.
E excluindo tais investidores, a quem mais o IPC interessaria? Será que os habitantes dos diversos países alistados se interessariam em serem informados sobre a forma como seu país é visto por representantes de empresas transnacionais – se mais ou menos íntegro do que qualquer outro?
Bem, George Walker Bush, presidente norte-americano, já deu um uso alarmante para tal índice: o de que a ajuda prestada pela USAID a outros países levará em conta a percepção de corrupção deles existente. Como o baixo PIB per capita e baixa nota no IPC é a principal correlação estatística existente, é fácil concluir que os países mais pobres serão os mais atingidos com esse critério. E aqui, mais uma vez, parece-me haver em todo o processo uma contaminação por um clientelismo que objetiva sempre gerar o enfraquecimento das relações horizontais, nação a nação, ao oferecer privilégios provenientes de entes externos. Infelizmente, o oferecimento de privilégios sempre semeia o desinteresse de colaboração entre os entes e patrocina uma competição que termina por desenfrear-se e ocasionar comportamentos antiéticos entre elas. Por conseqüência, um mecanismo de combate à corrupção, pode ser desvirtuado e acabar promovendo-a.
Mas, afinal, podemos aferir se houve aumento ou diminuição da corrupção? Muito provavelmente, se nos pautarmos tão-somente pela freqüência crescente de notícias sobre corrupção na mídia, não teremos dúvidas de que o país está completamente dominado por inúmeras quadrilhas – o que não é verdadeiro. Mas, influenciada por um noticiário “espetaculoso” (inclusive às vésperas de ser aplicado um questionário de percepção da corrupção), as pessoas podem emitir opiniões que não encontram respaldo em sua própria realidade, em seu próprio dia-a-dia.
A tendência para uma percepção mais desfavorável sobre seu próprio país é muito mais comum entre os habitantes dos países do chamado Terceiro Mundo. É um sentimento bastante prejudicial aos nacionais desses países, que os leva a desacreditar em si mesmos, seja individual ou coletivamente, mas que beneficia seus competidores. Percebendo esse benefício, muitos destes até estimulam esse sentimento de autodepreciação, que lhes rende boas oportunidades e negócios.
Na conclusão de seu artigo, Abramo afirma que as conclusões acerca das percepções sobre corrupção devem ser interpretadas com cautela, “pois informam pouco sobre o fenômeno empírico da corrupção”.
Diferentemente de Abramo, entretanto, penso que diante da crise financeira que atualmente assola o nosso mundo globalizado, possamos concluir que as populações de países mais pobres estão mais vulneráveis à pequena corrupção – que é de mais fácil visualização -, enquanto as populações de países ricos estão à mercê da grande corrupção (ou corrupção política, da qual é exemplo recorrente o Japão); ou da corrupção sistêmica em suas principais instituições financeiras.
Segundo pesquisa recente, encomendada pelo Centro de Referência do Interesse Público (CRIP), da Universidade Federal de Minas Gerais, ao instituto de pesquisa de opinião Vox Populi, para 75% dos entrevistados o crescimento não foi da corrupção em si, mas do número de casos apurados.
Segundo o professor Fernando Filgueiras, pesquisador do Centro de Referência do Interesse Público, "tanto os mais pobres quanto os mais ricos percebem que a corrupção no Brasil aumentou devido a um maior trabalho das instituições de controle, em especial a Polícia Federal". Ele completa: "independentemente da questão regional ou da classe social, esse aumento na percepção ocorre porque a corrupção não é mais 'varrida para debaixo do tapete'".
É o que também nos parece.

Avanço ao combate da corrupção com as ações implantadas pelo Estado
Fernando Filgueiras tem percebido que barreiras para o crescimento da corrupção têm sido impostas, não só no Brasil, mas também em outros países da América Latina, assim como na Comunidade Européia. Mas ele alerta para o crescimento da corrupção nas relações internacionais, especialmente no âmbito do comércio: “sabemos muito pouco sobre as relações de governos e grandes conglomerados internacionais, área pouco suscetível a controles”.
Para a Controladoria Geral da União (CGU), a melhor forma de combater o fenômeno da corrupção é aliar a punição à prevenção, porque mesmo punidos, os casos voltam a ocorrer.
Entre as ações preventivas está a criação de mapeamento e avaliação das áreas de maior risco de corrupção e implementação de medidas para reduzir possíveis focos que venham a fragilizar as instituições públicas.
“O que o Brasil precisa fazer para combater a corrupção de forma eficiente?” Foi com esta pergunta, que o site Universo Online (UOL), criou um fórum na Internet, onde foram postadas, durante um mês e meio, cerca de 2000 críticas sobre o tema. No levantamento feito pelo Contas Abertas, sobre esses comentários, foi evidenciado que para os internautas o Legislativo é o Poder mais corrupto. Contudo, as recentes manchetes sobre os grampos telefônicos e a soltura do banqueiro Daniel Dantas fizeram com que também a credibilidade do Judiciário fosse abalada: 51% dos comentários associam a corrupção à atuação dos políticos e, principalmente, dos juristas brasileiros.
Para acabar com a corrupção, 11% sugerem a educação, enquanto 10% acreditam que o país não tem solução.
Para 1985 entrevistados (82% do total), faltam novas leis, com penas maiores e mais duras, numa clara crítica ao Legislativo.
Muitos internautas externaram sua insatisfação com a atuação da magistratura, exigindo, por exemplo, maior celeridade em processos judiciais e que os indiciados ricos, contra os quais haja fortes indícios de corrupção, não sejam beneficiados por decisões do STF.
No tocante à responsabilidade individual, um dos entrevistados, declara: “Sou servidor público e vejo quase todos os dias servidores usando material de trabalho em uso particular. Há milhões de servidores no País. Se todos usarem uma folha de papel por dia em serviço particular isso já trará um prejuízo enorme para sociedade”, alerta.
Quanto à educação, outro internauta afirma que para impedir a corrupção se perpetue é preciso que o bom exemplo comece a ser dado dentro de casa. E continue nas ruas, na escola, no trabalho etc.

Conclusão
“A corrupção é um desperdício de dinheiro e arruína os direitos humanos”.
Barack Obama
Corrupção não é novidade, mas ajuda explicar como até grandes impérios encontram sua derrota quando se deixam minar pela corrupção.
No que concerne aos índices de corrupção, muitas vezes, mais do que jogar luz sobre um problema real, coloca-se este é sob uma lente de aumento, gerando uma onda de mentiras organizadas que visam desqualificar, primeiro, as principais instituições, até que o país se torne ingovernável. Com a desconfiança semeada entre os membros da sociedade, esta se torna frágil para combater os males que a assolam – enquanto outras se fortalecem.
Não acredito que esse efeito possa ocorrer no Brasil atual. Penso que uma parte expressiva da sociedade brasileira está suficiente amadurecida para saber identificar os verdadeiros problemas do país e combatê-los.
Concordo que a educação seja a melhor prevenção – mas não a que temos na maioria das instituições de ensino. O modelo de educação predominante não tem preparado o jovem para vida – em sociedade e/ou profissional. O indivíduo tem ficado à mercê de influências imorais, amorais, antiéticas; e o resultado tem sido jovens violentos, que acreditam que tudo podem, confundindo liberdade com licenciosidade, desregramento, com o agir de forma desregrada, desrespeitosa e irresponsável. Um indivíduo sem qualquer noção de valores morais e de valores éticos é facilmente atraído para o mundo da corrupção. Porque não desenvolveu respeito por seus concidadãos, porque não tem a menor consciência das conseqüências de seus atos, dos sérios e irreversíveis prejuízos que uma ambição desmedida pode causar a outras pessoas e a toda a sociedade.
Cumpre ressaltar que Ética e hipocrisia jamais se coadunam e a falsa ética, a manifestação de virtudes ou sentimentos que realmente se não tem - é o pior dos venenos para a democracia. Se os maiores filósofos atenienses – Sócrates, Platão e Aristóteles - não consideravam a democracia como o melhor dos regimes é porque os seus benefícios só são plenamente sentidos se os cidadãos souberem se conduzir – através da Ética. Porque a democracia só se aperfeiçoa quando os cidadãos sabem o significado e o prazer reconfortante de se guiar por valores éticos como – justiça, honestidade, prudência, liberdade, responsabilidade, sinceridade, respeito.
Sem Ética, o regime pode ser transformado pelos inescrupulosos numa democracia autoritária; ou a liberdade que ela proporciona desvirtuada para uma licenciosidade e uma tolerância que se transforma em indiferença para tudo quanto ocorre ao derredor; a impunidade sobrevém trazendo como conseqüência inevitável a desconfiança de todos contra todos. Nenhum regime pode ser bem-sucedido sem que haja confiança por parte das pessoas nas instituições e em seus concidadãos.
É o que a atual crise financeira mundial está a nos ensinar.
Por Silvia Lucília Lopes

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