sexta-feira, 20 de maio de 2011

As eleições e a pobreza intelectual: o caso Brasil

As eleições e a pobreza intelectual: o caso Brasil

Em tempos que o clamor por mudanças atinge dimensões mundiais, sejam elas no contexto asiático, árabe, europeu, americano. Uma reflexão é pertinente, que mudança realmente queremos, se poucos sabem realmente quem está por trás das mudanças, o quais serão as consequências dessas mudanças. Compartilho um bom texto, escrito pela Dra. Maria D’Araujo.
Vou dividir este artigo em duas partes: a primeira sobre a banalidade das críticas à democracia brasileira e suas instituições; a segunda acerca da pobreza intelectual no debate dos temas nacionais.
Desde 1945, quando o país ingressou em uma democracia ampliada com extensa participação popular, ocorreram sete eleições presidenciais diretas e competitivas. Na de 1945 foi eleito um general, Eurico Gaspar Dutra. Nas de 1950, 1955 e 1960 houve candidaturas militares: brigadeiro Eduardo Gomes, general Juarez Távora e general Teixeira Lott, respectivamente.
Depois veio a ditadura militar com eleições presidenciais indiretas e generais revezando-se no poder. Em 1989, retomaram-se as consultas democráticas e, desde então, chegamos à quinta eleição sem candidatos militares.
Um dado da atual democracia brasileira é que a política foi desmilitarizada. Para um país com tradição de golpes e de ingerência armada na política este é um fato a ser festejado. Igualmente inéditas são as amplas condições para a organização partidária e para a participação eleitoral. O colégio eleitoral inclui hoje homens e mulheres, alfabetizados ou não, a partir de 16 anos, sem idade-limite para sair do sistema. Ao todo, 70% da população brasileira são eleitores. Nunca tivemos tanta democracia política no país.
Essa democracia emergente permitiu que elegêssemos um suposto outsider em 1989, depois um intelectual em 1994 (reeleito em 1998) e um sindicalista em 2002. Nenhuma democracia estável elegeu, nessa seqüência, presidentes com tais características. Com a atual campanha temos, portanto, muito a comemorar em termos das liberdades políticas e sem elas nenhum de nossos outros problemas pode ser resolvido no longo prazo. Ao lado da democracia política temos estabilidade econômica, uma dádiva para um país que sofreu por mais de uma década com a inflação, e os indicadores sociais apresentam melhoras significantes para a população como um todo.
Transparência — O patrimônio da democracia não parece ser, muitas vezes, valorizado pela classe política e por setores que formam opinião. As denúncias de corrupção no Congresso e no Executivo têm, justamente, alimentado preocupação e desesperança.
Nessa trilha, o Congresso passou a ser exposto como uma chaga nacional quando, na verdade, seus problemas refletem principalmente outras mazelas. A maior delas é a falta de controles sobre os poderes, a falta de transparência e de uma ação mais eficaz das corregedorias, dos tribunais e do Ministério Público. Hoje, não precisamos de qualquer reforma para fazer valer a boa conduta no trato com a coisa pública, apenas precisamos cumprir as leis existentes.
Alguns candidatos vão se deter na fórmula mágica “da” reforma política quando, de fato, nem sabem do que estão falando. O que se quer reformar, quais pontos? Como se “a” reforma fosse um passe mágico para mudar o homem político, velha utopia totalitária.
Todos os países democráticos que quiseram alterar regras em seus sistemas eleitoral e partidário convidaram as universidades para efetuar estudos sobre os impactos de tais mudanças na qualidade da democracia.
Houve discussão com a sociedade. Aqui, joga-se a questão apenas para a classe política e até se falou em Constituinte. Reforma política é tema que agrada, pois passa a idéia de que se sabe exatamente o que fazer para “tudo” funcionar bem.
Reformas políticas no momento envolvem pontos diversos como: fim das coligações nas eleições proporcionais, listas fechadas ou abertas, voto distrital misto ou puro, financiamento público de campanhas, criação da federação de partidos, fidelidade partidária, critérios para alocação de recursos do fundo partidário, entre outras coisas. Cada um destes pontos não apresenta qualquer consenso entre os partidos e tem implicações sérias sobre a expressão da vontade do eleitor. “A” reforma não deve ser apresentada como panacéia.
Lembre-se que este ano entra em vigor a cláusula de barreira, ou de desempenho, que reduzirá de cerca de 20 para sete ou oito o número de partidos representados no Congresso Nacional. Esta medida tem um impacto profundo, para o bem ou para o mal, sobre o futuro de nosso sistema partidário e pouco se fala nisso. Se o problema era, em nome da governabilidade, diminuir o número de partidos muito será feito nesse sentido com a novidade que entra em vigor.
Um aspecto importante nesta eleição é lembrar que bater no Congresso pode dar voto para alguns candidatos ao Executivo, mas não é boa política para valorizar a democracia. Maus políticos, como maus médicos, maus jornalistas etc. sempre existiram. Na medida em que o país vai mergulhando em uma democracia de massas, com amplas oportunidades para todos, é razoável supor que a qualidade de alguns candidatos caia ou que a esperteza de alguns cresça. A saída não é criticar o Congresso, mas garantir mais controles e maior presteza na aplicação das leis.
Responsabilidade — O segundo aspecto, a abordagem dos problemas nacionais, é desolador.
Tudo é reduzido a questões pedestres e a platitudes de teor duvidoso. Do lado do governo a ênfase é no preço da cesta básica como se o estômago fosse o único vetor da política. A fome e a má alimentação são, sem dúvida, problemas graves, muito graves, mas isso não pode substituir a responsabilidade com outros aspectos no trato da coisa pública. Os pobres viraram alvo eleitoral, a pobreza virou moeda política para setores progressistas tradicionalmente contrários ao assistencialismo. Governar para os pobres é a meta de alguns candidatos. A tônica do establishment lembra os velhos manuais marxistas que ensinavam que entre a comida e a liberdade, a primeira era a mais importante. Hoje, o povo está sendo levado a pensar que entre a cesta básica e o governo responsável, rifa-se o segundo. Os tempos são de um novo economicismo, não em nome de uma classe ou da revolução, mas de projetos sem fôlego, em nome do curto prazo eleitoral. A valer algumas das tendências atuais poderíamos ser no futuro breve uma grande Cuba: crianças alimentadas e na escola, mas jovens sem perspectiva de futuro.
Falta criatividade para construir o futuro. O curto prazo é importante — quem tem fome tem pressa —, mas isso deve ser apenas um começo. Especialistas de instituições governamentais mostram a precariedade de nossas políticas sociais. Caras, vagarosas, pouco eficazes. Fazemos pouco com muito. Faz parte do caudilhismo latino-americano apoiar-se na boa-fé das pessoas, vender ilusões e impor o arbítrio.O continente vive momentos difíceis depois danos de crise econômica e política ou de ditaduras. A falta de perspectiva é parteira de lideranças personalistas e de soluções de curto prazo. O lado bom de tudo é que a sociedade se organiza, a democracia ganha mais densidade, as minorias se expressam, ganham governos como na Bolívia, por exemplo.
Essa repentina entrada de novos atores na política não se faz, contudo, sem custos, como em qualquer momento histórico em que um novo ator ascendeu ao poder. A burguesia fez sua revolução cortando cabeças de reis e rainhas, os operários ganharam voz e voto depois de muito confronto. Hoje, a chegada de novos atores políticos à “elite do poder”, minorias étnicas em outros países e sindicatos no Brasil, não significa rupturas institucionais, confronto de classes. Significa que o governo precisa ser mais responsável, mais republicano, isto é, mais atento à coisa pública.
Os candidatos, é certo, precisam se deter a uma agenda que seja inteligível para o eleitor que quer sim comida, segurança, emprego, saúde, educação e moradia. Ou seja, demanda aquilo que se chama de políticas públicas clássicas. As formas de resolver isso têm variado com o tempo, mas o compromisso do governo com elas não pode mudar. É sua razão de ser. As sociedades precisam de autoridade legítima para resolver essas questões. Desde o jusnaturalismo que emergiu no século XVII discute-se a maneira de criar um governo que represente um contrato entre os homens visando à paz, à segurança, à prosperidade e à liberdade. A partir do século XIX esse pacto incorporou a questão democrática. Essa agenda continua atual.
As sociedades necessitam de tudo isso, mas também de princípios. Se o exemplo vem de cima, nossas elites não têm sido exemplares: praticam, esquecem e perdoam o inadmissível. Nas campanhas tem predominado o imediatismo e o voluntarismo. A segurança pública, por exemplo, deveria ser um eixo fundamental das discussões para o futuro, mas até agora tem servido para um tiroteio particular entre candidatos.
A forma como as campanhas são feitas também não ajuda muito. A imagem supera o conteúdo.
A sociedade no Brasil tem sido melhor que o governo, as instituições são fortes, o país tem sobrevivido a várias crises. No entanto, os valores democráticos ainda são frágeis assim como as noções de direito e justiça. As eleições são momentos especiais para as sociedades atualizarem seu pacto político e social.
Os estadistas precisam, nessas ocasiões, mostrar que sabem articular o presente e o futuro tendo em mira o bem público, a responsabilidade e a ética. Esses princípios não podem ser relativizados.

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